Amo a natureza, sempre me senti viva , mesmo quando sozinha caminhando pelos prados verdejantes, correndo pelos matagais rasteiros, indo apanhar lenha com a minha bisavó ou brincando de "cozinhado" de bonecas com minha amiguinhas , durante minha infância até à adolescência vivida na zona rural .
Um temor exagerado , no entanto ,me perseguia quando me deparava com açudes , rios, cachoeiras e até o mar que ao mesmo tempo que me fascinava , me apavorava.
Cresci, vim morar na capital e nada mudou. Mesmo amando o mar, praia? só na areia , adentrar? jamais!
Sempre usava a desculpa de que por ser muito branca , não bronzear e sim "cozinhar" feito camarão , não poderia tomar banho de mar.
Minhas aventuras aquáticas se restringiam às piscinas e olhe lá , somente onde não me desse a sensação de afogamento.
Durante algum tempo sempre me perguntava qual a razão de tanto pavor, cheguei a questionar minha mãe se por acaso quando bebê havia escorregado na bacia durante o banho.
Bem, quando fazia o curso Superior aqui em Recife, certo dia de inverno e bastante chuvoso fui visitar uns amigos no bairro de Monsenhor Fabricio e não deu outra , foi uma verdadeira inundação , tivemos que ficar ilhados , esperando socorro no teto da casa.
Dei o maior vexame, fiquei histérica pois além de tudo não sabia nadar, nem boiar .
Prometi , quando tudo passou, a mim mesma que procuraria ajuda .
Continuo sem saber nadar , nem boiar! Mas fiz uma descoberta para o meu mêdo.
Numa noite de Natal , quando tinha uns 09 anos de idade , o açude de Santa Rita estourou , as comportas se abriram e o pânico tomou conta do lugarejo , está bem nítida agora a imagem do que aconteceu: a festa de rua acabou e gente corria para todos os lados procurando os lugares mais altos para se abrigarem das águas.
Corremos em direção ao morro e nossa casa ficava nas proximidades, serviu de abrigo até as águas baixarem para muitas pessoas . Na ocasião não tive medo, mamãe e as outras mulheres preparavam muita comida enquanto os homens tentatavam contornar os estragos e recuperar o que fosse possível ser consertado.
Nós, crianças, nos aglomerávamos em um dos quartos da casa para dormir e brincar. Recordo de uma senhora vestida de preto que bebia muito e o marido ralhava com ela . A bebida que ela ingeria era uma mistura de cachaça e ervas que papai usava como remédio, pelo menos era o que nos diziam - a Cabeça de Negro- depois do estouro do Açude Santa Rita , ela morreu, acho que foi devido a bebida pois disseram que "havia pipocado todo tipo de doença
reprimida no organismo dela " , no linguajar da matutada , " botado pra fora ".
Lembro bem que na parte baixa juntou tanta água que parecia que o Açude havia mudado de lugar. Toda vez que eu olhava sentia muito medo. Estas lembranças vieram à tona após ver o estrago que as águas estão fazendo no Brasil . Nunca vi reportagens sobre o assunto veiculado na mídia , talvez por defesa psicológica mesmo, por não querer reviver esta situação.
Escrever sobre isto está me fazendo um bem enorme , estou sentindo agora como se este elo do passado estivesse sendo desfeito. Volto a enxergar o Açude de Santa Rita majestoso , enorme e tranquilo, não mais ameaçador .Vejo como o local onde estão sepultadas lembranças de uma infãncia feliz, com festas da Padroeira, namoricos da adolescência , caminhadas, piquiniques e tudo de bom que ficou lá .
Vou aprender a nadar e boiar em águas tranquilas! Com certeza.
Esta é mais uma via percorrida e resgatada.
Escrito por Maria Claudete